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Artigo Defesa animal / Libertação animal

Defesa animal / Libertação animal
Por David Olivier

Do original Cahiers antispécistes CA n°1 (octobre 1991)
Traduzido por Anna Cristina Reis Xavier; revisado por Vegan Staff.

A defesa animal, enquanto movimento organizado, existe há cerca de um século e meio; ainda que, logicamente, sempre existiram pessoas que demonstraram atos de amizade e de compaixão sem distinção de espécie. A libertação animal, que questiona os pressupostos fundamentais do especismo, nasceu como movimento a partir de 1975, ano da publicação por Peter Singer de Animal Liberation¹. Tais idéias não datam de 1975 pois o especismo já tinha sido analisado e questionado ao longo da história humana, por pessoas isoladas ou em pequenos grupos. Se para muitas pessoas este tipo de análise parece algo absurdo, isso pode ser atribuído aos dois milênios de cristianismo que sufocaram toda nossa vontade de levar em conta interesses dos não humanos enquanto tais² (isso pode parecer paradoxal às pessoas que, como eu, foram criadas com a idéia que o cristianismo, pelo menos substancialmente, professe um amor extremo para os mais desfavorecidos).

A carne

Poderíamos acreditar que o movimento atual de libertação animal seja simplesmente o prolongamento, ou mesmo a vitória do movimento precedente, de defesa animal. É o que pensávamos quando, há dois anos, quatro amigos e eu produzimos o folheto Nous ne mangeons pas de viande pour ne pas tuer d'animaux (Nós não comemos carne para não matar os animais)³. Sabíamos que poucas pessoas das associações de defesa animal eram vegetarianas, mas entramos em contato com elas, porque, pensávamos que o propósito delas era, pelo menos teoricamente, o mesmo que o nosso.

Ficamos decepcionados. Sentimos imediatamente que estávamos desagradando – em alguns grupos fomos abertamente insultados («comedores de grama»). Os únicos membros que nos ajudaram pertenciam a uma minoria, pequena mas não negligenciável, de militantes já vegetarianos. Se nosso folheto convenceu algumas pessoas a pararem de comer carne, isso sempre aconteceu fora dos grupos de defesa animal. Por outro lado, dentro do movimento de defesa animal, aqueles que comem carne sabem muito bem o que estão fazendo e não têm a intenção de parar.

Esperávamos encontrar aliados entre os poucos vegetarianos que atuavam no movimento de defesa animal, esperávamos que eles nos ajudassem a impor ao movimento como um todo, uma análise sobre a questão da carne. Mais uma vez ficamos decepcionados. Alguns nos ajudaram a divulgar nosso panfleto Nós não comemos carne..., mas nunca se engajaram pessoalmente; de forma absurda, eles pareciam sistematicamente considerar que o vegetarianismo apenas poderia ser fruto de uma escolha pessoal.

Tudo acontece como se, no mesmo seio da defesa animal, existisse um acordo tácito para não questionar as regras de base que determinam as relações dos humanos com os outros animais; e, se é permitido não comer carne, isso deve representar ao máximo um questionamento limitado aos aspectos não essenciais das práticas especistas, como a criação industrializada de animais. Pior ainda, apenas devem ser evocados a ética, a dieta ou o caráter «não natural» do consumo de carne pelos humanos, para evitar contestar a justiça da utilização dos animais não humanos quando bem entendermos desde que possamos obter lucro disso. Se alguns admitem que não comem carne pelos animais, ninguém estima que esse tópico mereça que o consenso do grupo seja modificado, pois o grupo elege o inimigo número um: o monstro vivisseccionista e sua luta se dirige contra ele.

A vivissecção

Poderíamos esperar que os dois movimentos estivessem de acordo sobre o tema da vivissecção. Mesmo se para nós, esse tema seja apenas um aspecto «exótico» do problema, assim como as touradas ou o consumo de cães pelos coreanos, enquanto que todos os dias os cordiais seres humanos comuns ainda comam carne.

Mais uma vez ficamos decepcionados. Em vez de questionarem o princípio da utilização dos animais para qualquer finalidade humana, a defesa animal insiste sobre a «inutilidade» das experiências – inutilidade para os humanos, claro.

Os advogados dos animais

A defesa animal é, realmente, como a defesa na justiça. O advogado (o defensor) de um ladrão pode defender seu cliente, quer dizer, pedir que ele não seja punido ou que ele seja pouco punido, sem contestar as leis que punam os ladrões. A defesa animal defende os animais, no seio de um dado sistema. Ao defender os cães, ela dirá que eles fazem companhia para os idosos. Ao defender os gatos, dirão que estes matam os ratos. Ao defender os ratos, argumentam que o uso deles em experiências não é confiável. Ao defender os patos, argumentam que o patê de fígado de ganso (foie gras) é impróprio para consumo; ao defender as lebres, argumenta que a caça pode matar seres humanos, com balas perdidas ou desviadas.

Sobre o advogado de um ladrão pesa sempre, apesar de tudo, a ameaça de ser considerado como o advogado dos ladrões, como amigo deles ou adepto do roubo. É vital para sua defesa que o juiz não tenha a impressão que, se liberar este ladrão, ele esteja liberando todos os ladrões. Do mesmo modo, a defesa animal sente que é vital não analisar o especismo.

Radicalismo?

A distinção que fazemos entre defesa e libertação animal não é apenas uma simples questão de radicalismo. Os adeptos de Hans Ruesch, por exemplo, são radicais em sua recusa de conceder o mínimo valor que seja à vivissecção, e assim são abolicionistas puros e duros. Por outro lado, são extremamente retrógrados, por causa da estrutura de seus argumentos. Grande parte do tempo é usada para proibir qualquer análise do especismo (os argumentos éticos são, para eles, ineficazes ou não científicos, ou sentimentalóides, etc.). Do mesmo modo, os ataques contra os laboratórios de vivissecção quase sempre foram feitos por comedores de carne. Enquanto isso, os liberacionistas, publicam panfletos para difundir suas idéias. E não comem carne.

Se sou a favor da liberação animal, não é por causa de seu radicalismo. Eu não critico a defesa animal de ser «mole» ou «moderada», eu a critico porque ela defende o especismo. Eu não procuro o extremismo das idéias, eu sou a favor da justiça das idéias. E o especismo não é uma idéia justa.

Notas :
1. Peter Singer, éd. Jonathan Cape, Londres, 1975 et 1990; ver também Le mouvement de libération animale («O movimento de liberação animal»), P. Singer, éd. F. Blanchon, Lyon, 1991.
2. Cf. a encíclica Solicitudo Rei Socialis do Papa João Paulo II, 1988, que parece esboçar uma idéia, mas que na verdade não leva em conta os animais, apenas os considera como componentes do «mundo natural», e não como seres que têm seus próprios interesses e sua própria vida a ser vivida.
3. Panfleto coletivo, éd. Y. Bonnardel, Lyon, 1989.
Em francês http://www.cahiers-antispecistes.org/numeros-pt.php3



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