Brasília, 09 de janeiro de 2013.
Ontem à tarde uma notícia sobre a morte de uma cadelinha em Taguatinga entristeceu (e também chocou) as pessoas aqui no Facebook.
Publicações relatando o ocorrido foram replicadas e a cada compartilhamento, as mensagens de tristeza e revolta vinham seguidas da pergunta “Por que os vizinhos não chamaram a polícia?” ou “Por que ninguém fez nada para ajudá-la?”.
Apareceram também posts em defesa dos proprietários do imóvel onde a poodle foi encontrada morta. O
principal argumento é que ela já era uma cadelinha idosa, resgatada bastante doente na rua pela família em questão e que estava no fim de se sua vida.
A meu ver, e isso é apenas uma opinião minha, esse é o tipo de coisa que “explica”, mas não “justifica”.
Mas enfim.... eu não gostaria de ater a minha reflexão a uma tentativa de encontrar responsáveis ou culpados pelo triste episódio. Tenho meu ponto de vista, mas gostaria de tecer alguns comentários que podem, talvez, contribuir para a nossa luta pelos direitos animais...
Como é sabido, de fato, um pedido de ajuda circulou entre grupos de proteção e protetores independentes, porém, isso não impediu que a cadelinha viesse a falecer na madrugada do dia 7 para 8 de janeiro. O Libertação Animal Brasília recebeu um e-mail enviado por uma pessoa bastante idônea, o qual só foi lido ontem à tarde, com o seguinte texto: “"Boa noite, recebi essa mensagem abaixo da amiga de uma amiga. Segundo ela, o pessoal viajou e deixou esse cachorrinho fora, e preso. Será que vcs podem ajudar? Se precisar da minha ajuda, me avise por favor, mas sozinha não sei como agir. Agradeço de coração! É na XXXXXXXX em Taguatinga, o cachorrinho está chorando há três dias e está preso em uma corrente e pega chuva e pega sol e não tem ninguém em casa eu já fui lá e verifiquei, não tem ninguém, ele chora muito, não está incomodando, mas fico com um sentimento que não sei te explicar, por favor ajude esse cachorrinho, já liguei pro disque denúncia e eles disseram para eu esperar até amanhã, mas amanhã pode ser tarde demais. Obrigada.”
O fato é que as pessoas que foram até o local verificar o que estava ocorrendo com a pequena poodle (provavelmente receberam um pedido de ajuda semelhante ao que foi enviado pro e-mail do LAB). Ao que tudo indica, era uma cadelinha idosa que, pelo que foi dito em outro post, foi resgatada por aquela família já doente e sem chance de sobreviver. Chegando lá, a encontraram morta e agiram como qualquer pessoa que se preocupa com os animais – e eu aqui diria, com qualquer ser senciente - teria feito. Fizeram fotos, foram à delegacia mais próxima e abriram um boletim de ocorrência.
Denúncia de maus tratos comprovada ou não, o fato é que há testemunhas que alegam que o animal estava chorando há 3 dias, do lado de fora da casa pegando chuva e sol, inclusive acorrentado (pelo menos essa foi a informação que chegou até o e-mail do LAB e de algumas outras pessoas). O animal ia morrer de qualquer jeito, disse o responsável por ir até a casa alimentar a poodle e outros cães que lá estavam, enquanto sua família viajava.
No entanto, não considero razoável deixar um animal idoso e doente do lado de fora de casa, sabendo que ele esta à beira da morte. Não acho natural alguém escutar um animal sozinho latindo e chorando (estando ele à beira da morte) e não tentar ajudá-lo. Argumentar a favor dos proprietários deste imóvel alegando que eles a resgataram e que ela estava super doente não me faz me sentir menos pior ao ler a notícia.
Ela morreu em sofrimento, sozinha e ao léu.
A responsabilidade é de quem? Eu não gostaria de entrar nesse mérito. Mas não acho justo taxarem as pessoas que estiveram lá no local ontem pela manhã de inconsequentes e reclamarem por elas terem exposto o caso publicamente. Repito: elas fizeram o que qualquer pessoa preocupada em ajudar alguém em sofrimento teriam feito. E elas relataram o que foi visto e registrado: um animal sem vida, deitado do lado de fora da casa e sozinho.
Soma-se a isto um e-mail que circulou com um pedido de ajuda em que se alegava que o pobre bichinho estava chorando há 3 dias.
Era obrigação dessas pessoas fazer um boletim de ocorrência, pois quem tem o poder e o dever de investigar as denúncias é a polícia e não elas. Elas fizeram o que deveria ter sido feito.
Acharem ruim o caso ter sido exposto da maneira que foi é também algo discutível.
Quer queira quer não, isso tudo traz à tona um problema bastante recorrente na dita proteção animal.
Leio relatos diários de pessoas exauridas de tanto receberem pedidos de ajuda parecidos com o do caso acima. Este ganhou notoriedade porque teve um desfecho trágico. Mas quem acompanha o esforço dessas pessoas em tentar minimizar o sofrimento de centenas de animais abandonados, machucados e deixados à sua própria sorte, sabe que estes pedidos são super problemáticos e revelam uma outra triste realidade.
Não apenas a sociedade aprendeu a conviver com o descaso e o abandono de animais doentes, velhos, sobras de ninhadas, entre outros, como também há quem acha que os chamados “protetores” foram eleitos os responsáveis por resolver este lamentável problema.
Ando desanimada em ver tanta gente mandando e-mail e mensagens inbox pedindo ajuda e agindo como se acreditasse que, ao comunicar alguém de que algo precisa ser feito, essa pessoa ajudou em algo. E pior, é como se a pessoa que recebe o "informe" tenha que se mobilizar para resolver o problema. É algo do tipo: "joguei a batata quente na sua mão. Não está mais comigo".
Um ser em sofrimento não é uma batata quente, é um ser em sofrimento. E a primeira coisa que alguém que de fato se importa pensa é em como fazer algo para ajudar.
Porém, isso tem virado um triste jogo de empurra empurra, como foi este caso da cadelinha. Ou empurra para protetores independentes ou empurra para grupos e ONGs, os quais também não tem recursos financeiros, nem humanos e nem logísticos para ajudar todos os animais que estão precisando de ajuda.
Em outras palavras, a sociedade precisa entender que esse sofrimento todo não vai terminar enquanto as pessoas ditas aflitas com o sofrimento de um animal, uma pessoa machucada, uma criança, empurrarem suas preocupações para alguém resolver. Não é avisando que um ser está sofrendo e depois lavando suas mãos que este ciclo vai ser interrompido.
É preciso que todos façam algo. É preciso que se perceba que protetores e grupos de proteção não dão conta, estão lotados de animais, dívidas e correndo atrás em ajudar aqueles que já estão sob seus cuidados. Ser protetor de animais não é profissão. É uma coisa que se faz de coração, abrindo mão de muita coisa na vida, de horas de lazer, de dinheiro que poderia ser usado em viagens, roupas, academias e outras coisas.
O problema do sofrimento dos animais é super complexo. Ele tem pontas diferentes. De um lado, está o abandono, de outro está a exploração e visão de que eles são objetos e coisas que podem ser comercializadas , consumidas e testadas pelo bem da humanidade. E ainda tem o lado de quem ganha com tudo isso. Essas coisas não vão mudar amanhã, nem depois de amanhã. Mas a gente pode hoje começar a fazer algo para que isso se transforme em coisa do passado.
Enquanto as pessoas continuarem enxergando essa luta de forma fragmentada, enquanto protetores e abolicionistas continuarem se tratando com desrespeito, indiferença ou intolerância, enquanto o ser humano continuar a olhar apenas para seu próprio umbigo e enquanto o sentimento de indignação for motivado apenas em casos onde a maldade foi imposta àqueles que lhes são caros, episódios como este vão continuar acontecendo com animais, crianças, vítimas de estupro, violência doméstica etc.
Virar o rosto pro lado pra não encarar a realidade não é simplesmente agir com egoísmo, é também um ato de crueldade. :((
E para finalizar, repito: criticar quem se dispôs a ajudar e esteve lá para chorar a morte da poodle é injusto e não alivia o fato de que alguém estava incumbido de cuidar daqueles animais e – cuidando ou não, a pobrezinha morreu sem ninguém ao seu lado, do lado de fora da casa e sofrendo. Isso pode não parecer tão grave aos olhos de quem deu a explicação a fim de defender a família, e de fato, não há B.O. que se sustente. Mas não deixa de ser trágico e de levantar uma série de questões para reflexão.